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Uma das melhores viagens – North Cape

Viajar deixa-me tranquila, ver o mundo faz-me sentir viva. Até agora não tinha um sítio/viagem que pudesse dizer que era favorita, cada uma tinha o seu encanto. Mas depois acontecem viagens inesperadas, que foram regadas de sorte, e que se transformam na viagem. A natureza é incrível, nunca vi nada assim. Nunca senti nada assim. Dei por mim sozinha na beira daquele penhasco a pensar que mais um passo e seria o fim, mas que por outro lado nunca me tinha sentido tão viva como naquele momento. Não cabem aqui todas as coisas boas desta viagem, não cabem aqui as palavras para descrever os 3 sítios onde pus a tenda e que foram espetaculares. Não dá para descrever a sensação de chegar ao parque do North Cape sozinha no carro (truques para pagar menos) e por coincidência começar a dar a música do Louis Armstrong “What a wonderful world”. Não dá para pôr aqui o sofrimento (e escaldão) de mais uma trilha de 18km com 6 quilos às costas para ir ver o outro lado do Norte, para confirmar que este é um dos sítios mais bonitos do Mundo. Naquele virar de esquina vi o pôr do sol às 00h, o nascer do sol às 01h, vi a brutalidade que é o North Cape e confirmei que quando o Homem pensa que não pode mais, ele é sempre capaz de outro tanto! Ali o oceano Atlântico encontra o Ártico e os dois misturam-se, ali eu percebi que tudo é possível e que para voar só é preciso sair da zona de conforto! E o meu sonho sempre foi voar!

Escrevi isto no Instagram um dia depois de regressar da viagem de 4 dias ao ponto mais a norte da Europa, e o sentimento foi mesmo este, que viagem do caraças.

Estava a pensar nesta viagem desde que cheguei a terras de vossa majestade senhor Pai Natal, sabia que tinha que fazer acontecer de alguma forma mas entre muitos azares a sorte veio certeira. Se há alturas em que acho que a sorte não existe, existem outras que acredito piamente nela. Esta viagem foi semeada, regada e colhida pela sorte, em todos os sentidos e vão perceber o porquê de dizer isto quando vos contar mais pormenores.

Inicialmente seria uma viagem de 2 (3) pessoas no máximo e um carro pequeno chegaria para nos levar até lá. Mas depois de termos tentado alugar um carro em Abril para ir até Levi e não termos conseguido (por não termos um cartão de crédito), não tínhamos forma de arranjar um veiculo nem pequeno nem grande, nadinha. Pesquisámos autocarros mas eram horas infinitas e mesmo muito caro. Boleia, era possível mas levaria mais tempo e só tinha 4 dias livres. Dois novos voluntários chegaram em Junho e pensávamos que um deles tinha cartão de crédito, podíamos finalmente alugar um carro. Mas não, afinal era um cartão de débito. Não havia mesmo forma de conseguir lá ir.

Até que, do nada, a minha amiga Sasha (também voluntária da Russia) recebe uma mensagem através da plataforma Couchsurfing.com a pedir um grande favor. Um casal da Russos estava a planear vir fazer um percurso de rafting entre o Norte da Finlândia e a fronteira com a Noruega e vinham de carro desde Moscovo. O que é que eles precisavam? Pediram-lhe se ela podia ir com eles ao ponto de partida (90km de nossa casa), ficar com o carro durante duas semanas e depois ir buscá-los ao fim do percurso (150km de nossa casa). Era simples, eles estavam dispostos a pagar a alguém para fazer isto e a confiar o carro a uma desconhecida mas a minha amiga não tem carta de condução. Já imaginam para quem veio o pedido, euzinha.

Primeiro, o plano pareceu-me arriscado, um carro é uma responsabilidade enorme mas depois decidi aceitar, sempre era um dinheirinho extra. E quando é que eles precisavam deste favor? Exactamente durante o tempo em que tínhamos os dias de férias e por isso resolvemos também pedir um acrescento “podemos usar o carro durante essas duas semanas?”. O não era garantido mais valia arriscar. Ah pois, quem arrisca às vezes petisca, reduzi a quantia que me iam pagar em troca do nosso pedido. Foi assim que o problema do transporte se resolveu, e com bónus de ser um carro grande o suficiente para 5 pessoas e as suas tralhas de acampamento. Despesa de alugar carro foi zero.

Até lá não existiam portagens e a única coisa a pagar era a gasolina, em conjunto chegámos ao acordo que eu iria sempre a conduzir porque o meu nome estava nos documentos que o casal passou, e não queria responsabilizar-me pelo o outro voluntário a conduzir, e por isso não pagaria a gasolina(e já tinha reduzido a quantia que me iam pagar), a Sasha conseguiu o carro por isso também não pagava, a gasolina seria então dividida pelos outros 3 voluntários (ficou a 30 euros a cada um no total). Portanto para mim, zero despesas de transporte, só cansaço mesmo.

Música de viagem, todos os cd’s que existiam no carro, foi ABBA, Louis Armstrong e Ópera. De vez em quando o cabo de usb funcionava e conseguíamos umas mais actuais através do telemóvel. Não recomendo uma viagem tão grande com pouca variedade música, só me lembrava de uma vez quando era pequena e que fui à Serra da Estrela com um cd apenas, Carlos Paião.

Em relação ao alojamento seria acampamento selvagem, tínhamos duas tendas e sacos de cama (também difíceis de arranjar mas conseguimos) e o plano era dormir as 3 noites em sítios diferentes. Foi isso mesmo que aconteceu, 3 noites e 3 locais diferentes, já vos mostro tudo. O alojamento custou então zerinho (e a vista era de hotel de 5 estrelas).

A alimentação (almoço e jantar) foi num pequeno “fogão” de acampamento, o chamado campigás, e dividimos por todos (10 euros a cada no total). Em relação ao pequeno-almoço decidimos cada um comprar à parte o que quisesse (para mim mais uns 10 euros, pequeno-almoço e snacks). Por isso em alimentação gastei 20 euros para os 4 dias.

Meteorologia prevista e confirmada, céu limpo, sol e calor, o que é muito raro para aquelas zonas. Se não ainda não acreditam na sorte, não sei mais o que vos dizer.

Contas e explicações feitas, está na altura de vos mostrar o nosso roteiro neste dias:

1º dia – Domingo, 29 de Julho

Prontíssimos para começar. Condutora portuguesa em carro russo na Finlândia com destino à Noruega, passageiros da Macedónia, Rússia, Irlanda e República Checa. Não sei se algum dia estarei tão internacional.

Saímos de casa por volta das 15h, tínhamos cerca de 180km pela frente até ao sítio em que íamos montar a barraca para a primeira noite. É importante referir que não há auto-estradas por aqui, é tudo em estrada nacional com muitas curvas, subidas, penhascos e renas que gostam de arriscar a vida enquanto fazem o seu passeio diário, portanto todos os Km que referir não podem ser pensados como ir ali de Lisboa a Penela.

Demorámos umas duas horas, com paragens para um geladinho, até chegar à zona em que podíamos começar a investigar onde dormir. Primeiro, encontrámos uma zona que parecia perfeita, plana e junto ao mar mas descobrimos que era proibido por ser uma reserva natural. Avançámos mais uns km e vimos um terreno bastante grande junto à estrada, decidimos ir ver melhor o que havia.

Ora bem, saiu melhor que a encomenda, parámos o carro e com uns minutos de caminhada descobrimos que ali estava um praia espetacular e perfeita para ficar. Ali ficámos, tínhamos uma casa uns metros acima e até pensámos que podia ser terreno da casa mas ninguém nos veio pedir para sair. E com bónus, pelo menos para mim, uma espécie de casa de banho que foi a cereja no topo do bolo. Colocámos a tenda, fomos ao banho e preparámos o jantar – wraps com vegetais e molho de tomate. A maré vazou bem depressa e acabamos por descobrir os belos dos mexilhões, e não eram poucos, bastantes. Apanhámos alguns e preparámos para o almoço do dia seguinte. Uma maravilha!

Durante a noite esteve bastante vento (a proximidade do mar é assim) e a tenda ainda ameaçou levantar voo mas ficou quietinha no seu lugar. Com o sol da meia noite também acontecer pelo o norte da Noruega, nunca esteve de noite, às 3 da matina já tinha senhor sol bem forte.

Foto tirada às 3h00 da manhã

Foto tirada às 3h00 da manhã

 

2º dia – Segunda, 30 de julho

Bem, já tive segundas-feiras piores. Não dormi a noite toda seguida mas o balanço foi positivo. Por volta das 3 acordei com o vento, que por estarmos junto ao mar era forte, mas voltei adormecer com as ondas do mar como som de fundo, não sei se alguma coisa paga esse privilégio. Já adormeci com o barulho de trânsito, aviões e comboios e paguei para isso, este foi de borla e foi fantástico.

Almoçámos sandes de ovo cozido com tomate e vegetais, e claro uma entradazinha de mexilhões (apanhados na noite antes) cozidos e depois marinados em azeite e alho (que o pessoal acampa mas é chique na comida), uma delícia. Enquanto estávamos almoçar apareceu ao pé de nós um senhor, pensámos que vinha nos dizer que não podíamos estar ali mas não. Uma simpatia extrema, perguntou porque estávamos ali, de onde éramos e contou-nos que vinha ali quase todos os dias apanhar a “salada do mar”.  Salada do mar, o que é isso? Bem, tipo alginhas e coisas que tais. Fomos todos acompanhar o senhor nessa apanha do vegetal do mar, como podem imaginar passado 5 minutos eu já estava a comer algas directamente do mar. O sabor? Sabe a mar. Dei por mim a pensar que aquilo no forno e em estaladiço era capaz de ser do melhor. Mais uma para o “nada é impossível”.

 

Depois, lavámos a trouxa da cozinha no mar (esponja patrocinada pela familia das algas, são boas para comer e para esfregar tachos). Levantámos a tralha toda e fizemo-nos ao caminho, o destino final e local para a tenda era agora o próprio do North Cape, mais 200km. Paragem técnica para nos abastecermos de água e para o tradicional gelado.

A viagem fez-se muito bem, para as paisagens não existem palavras nem imagens para vos transmitir a tamanha beleza que ali está. Entre muitas curvas, caminhos junto ao oceano e aos fiordes, o túnel que passa por debaixo do mar e tem 7km, as outras dezenas de túneis e um céu limpo que não desiludiu. Se posso aconselhar a fazer uma viagem, é esta. É à Noruega.

Tínhamos delineado um plano para quando tivéssemos perto do North Cape, sabíamos que indo de carro até lá teríamos de pagar não pelo o carro mas sim por cada pessoa que tivesse dentro do carro. Éramos 5 e o bilhete é mais ou menos 20 euros. Para quem vai a pé ou de bicicleta, acreditem há muita gente a faze-lo, é grátis a entrada.

O que fizemos? Deixei os meus passageiros a uns 700 metros da entrada e segui viagem sozinha. Minto se disser que não estava um pouco nervosa, porque raio estaria uma portuguesa sozinha a fazer num carro russo (cheio de tralha) no ponto mais a norte da Europa?! Mas correu tudo bem, paguei o bilhete 19 euros e dividimos esse valor por todos. Eles foram a pé com umas malas pequenas e entraram sem pagar. Aquele truque de voluntários que tem os cêntimos contados.

Antes de montarmos de novo a tenda decidimos ir ver toda aquela zona, o North Cape tem uma infraestrutura que foi uma surpresa para todos nós. Pensei que só iria encontrar o famoso globo que é o postal de boas vindas mas o que existe por lá é muito mais que isso.

Foto tirada à 1h00 da manhã

 

Incluído no bilhete está o acesso a tudo, museu sobre a descoberta do local, caves com a história e com os sons e luzes das estações do ano, cinema em formato panorâmico com um filme de 15 minutos (que existe a quase todas as horas) que nos transporta para o inverno frio que se vive por ali e por toda a sua cultura, um pequeno santuário, loja de souvenirs e acesso a casa de banho. Este edifício está aberto desde das 6 da manhã até à 1 da manhã e para além de termos aproveitado tudo, foi ainda um grande apoio para casa de banho e para carregar o telemóvel. Jantámos espaguete com atum, clássico.

Caminho até à cave das luzes e som

Pelo caminho estão retratados alguns dos acontecimentos mais importante daquela zona

Cinema panorâmico

 

Depois de termos feito  reconhecimento de tudo o que tínhamos à disposição foi hora de ir procurar o melhor local para as tendas. Não foi difícil, apesar de já ter sido às 20h fomos os primeiros a pôr a tenda, depois de nós mais uma dezena de tendas apareceram. Ainda assim com muito espaço entre todos.

O meu hotel de 5 estrelas com vista para o oceano

 

A nossa outra tenda

 

Foto tirada às 2h da manhã antes de ir dormir

 

3º dia – Terça, 31 de Julho 

A noite correu bem, algum vento mas nada que fizesse a tenda voar que nem balão de ar quente. Fui a primeira acordar perto das 9h da manhã e achei que já chegava. Agarrei em mim fui à casa de banho tomar “banho”, o possível, vestir uma roupa lavada e dar mais uma voltinha por ali. Ainda andava pouca gente por lá, existia mais gente acampar e muitas caravanas, mas parecia que ainda estava tudo a dormir, e decidi ir ver o filme do cinema e a cave das luzes mais uma vez. Foi ainda melhor. Pela rua decidi sair da zona onde todos se concentram e fui ver o que havia mais, comecei a caminhar e fui dar à outra ponta do cabo, aqui já não havia as rede de segurança e pude me sentar mais perto. Foi daquelas sensações indescritíveis, o poder da natureza ali diante dos nossos olhos, o verde da relva, o castanho do fiorde e o oceano que se confunde com o céu, e eu um ser humano minúsculo a absorver aquele momento. A vida é mesmo incrível, há tanto para ver e não é clichê. Parei e fiquei só a escutar o nada, nadinha. Uns dez passos e podia estar a cair e a vida acabava ali, mas entre esses passos é que me senti realmente viva e com a consciência que a vida passa tão rápido como todos dizem.

Regressei junto da tenda, já todos a meio gás e preparados para o almoço (omelete de queijo). Antes de começarmos a arrumar tudo ainda tivemos com um pouco a ler e a descansar. Depois de tudo no carro decidimos que seria melhor ideia comer alguma coisa (espaguete com cebola e alho) antes do trail que íamos ter pela frente (aqui ainda achava que eram só 6 km).

O plano para o último dia era fazer o trail que permitia ver o North Cape de outra perspectiva, o ponto de partida ficava num parque de estacionamento a 6km do North Cape e onde tínhamos acampado na noite anterior. A noite seria passada no fim desse trail e depois regressaríamos no dia seguinte. O que aconteceu foi mais ou menos isso, chegámos lá por volta das 19h00 e preparamos as mochilas para não irmos com tudo atrás, só era preciso as duas tendas, sacos de cama e as salsichas para o jantar.

Tudo pronto, confirmar o trail e pumbas a realidade estremeceu as minhas forças, afinal não são 6km, são 9km para cada lado. Só me lembrei do que passei na Trolltunga no mês anterior e achei que o que ia ter pela frente era um inferno. Bem, claro que fui a última de todos mas consegui!!!

Quase a chegar ao fim da trilha

 

Completamente acabada, ainda faltava 1km e meio

 

North Cape visto do lado da trilha

 

Tinha comigo uma mochila com uns 6kg e um sol forte a dificultar a coisa. O trail estava com alguns problemas de marcação, foi difícil seguir a trilha religiosamente e o piso tem muitas, muitas, muitas rochas. É Noruega, pronto. A vista é claro, de cortar a respiração. Cheguei ao ponto final, aquela esquina em que vi o “pôr-do-sol” e nascer do sol no espaço de uma hora, às 23h. A vista incrível para o North Cape que todos prometiam estava lá à nossa espera.

A chegada ao fim da trilha 9km depois

O pôr-do-sol no fim da trilha às 23h30

 

 

Aqui já tinha sido atacada fortemente na testa por mosquitos, nada que não esteja habituada

 

O que não estava à nossa espera era um espaço plano para acamparmos e tivemos que voltar uns 2km para trás. Escolhemos uma zona perto de um lago/fonte de água e com vista para a encosta do sol, outro local que foi melhor que a encomenda (acho que fomos os únicos acampar na trilha, pelo menos não vimos mais ninguém). Cheguei a este lugar completamente acabada, com fome e com o pensamento de que no dia a seguir ainda tinha que fazer 7km de trilha e conduzir tudo de volta até casa (400km). Montei a tenda, comi qualquer coisa e fui dormir. Foi a melhor noite de todas, dormi profundamente. Tomámos banho no lago e fizemos-nos ao caminho por volta das 10 da manhã.

O lago perto da tenda

À 1h00 da manhã a preparar o “jantar” depois da trilha

O nascer do sol à 1h30 da manhã antes de irmos dormir

Às 9h30 da manhã antes de arrumarmos tudo

 

Foi duro de novo, o sol bem quente (eu a prometer escaldão, claro) e muitas subidas. Depois de 2 horas chegámos (eu cheguei, sempre a última) e foi tempo de descansar e almoçar.

NOTA: se alguém fizer este tipo de roteiro é melhor trocar o dia 2 pelo dia 3, tinha sido melhor fazer a trilha primeiro e o North Cape depois (mais tempo de descanso no dia 3 e cabeça mais fresca para regressar e conduzir). É duro fazer a trilha no dia em que se vai regressar a casa.

Saímos perto das 14h, ainda páramos no supermercado mais perto e lá fomos nós com a nossa playlist espectacular. Mais uma voltinha de paisagens incríveis porque nunca é demais. Não voltámos todos para casa, deixei dois pelo caminho para continuarem as férias à boleia pela Noruega, e a ainda a faltarem uns 200km decidi fazer uma pausa e dormir. Nunca tinha estado a conduzir com tanto sono e moleza, achei que o melhor era parar e foi o que fiz, bati uma sorna de uma hora e fiz-me de novo ao caminho. Chegámos já tarde a casa, foi uma viagem bonita mas cansativa.

No dia seguinte acordei cedo e fui conduzir mais 150km até ao casal russo, foi o dia de devolver o carro. Que tal este timing perfeito e esta sorte?!

Quanto gastei no total – 20€ (alimentação) + 15 euros (souvenir e outros) = 35 euros em 4 dias 

Depois de tudo nos conformes fui dormir um dia inteiro para repor energias mas com a certeza que tinha sido uma das melhores viagens que já fiz!!

Quanto à Noruega, eu voltarei! Eu voltarei!

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